quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Carta ao Professor

A Voz de um Mestre

Publicado por baitasar

Carta na Escola - edição 52, p. 66

Quem é capaz de conversar consigo por meio da literatura pratica o ensinamento secreto que se dá pelo silêncio, pelo vazio que jamais será preenchido

por Heloisa Prieto*

Conheci o senhor Hans ainda criança. Não sabia nada sobre sua vida, de sua mãe, mulher simples, apaixonada por histórias do folclore popular. Só fui descobrir sua trajetória de artista ambulante e figura de grande reconhecimento quando adulta. Na ocasião de nosso primeiro encontro eu me apaixonei pelas histórias de tristeza, como a Pequena Sereia, ou a Vendedora de Fósforos. Até hoje creio que a melancolia precisa de seu espaço e jamais diminui a força de sua narrativa.

Logo em seguida, entrei em contato com o alegre e irreverente senhor Monteiro. Logo descobri espaços mágicos de seu sítio. Pedrinho e suas caçadas, Narizinho e a curiosidade, Anastásia e sua sabedoria inata, dona Benta e o carinho, além da irreverência de uma boneca maluca.

Hans Christian Andersen, Monteiro Lobato. Ao longo de minha vida, percorri muitos outros espaços fascinantes, como o castelo de um tal senhor Bram Stoker, repleto de criaturas maravilhosamente atraentes, embora sedentas de sangue. Várias foram as vozes que saíam das páginas dos livros. Se cada uma delas me remetia a um mundo diferente, ao término da viagem ficava a sensação deliciosa de ter compartilhado da presença de um mestre.

Um antigo provérbio chinês afirma: "Ao mestre basta ser." E como ser um bom professor sem a convivência com outros?

A literatura constitui-se como uma biblioteca infinita e, por meio dos livros podemos desfrutar da luminosidade de estrelas que já partiram a muito, mas que, generosamente, continuam a compartilhar de seu brilho. Assim acreditavam Jorge Luis Borges, o argentino de labirintos encantados e o francês Marcel Proust, cuja sensibilidade desvenda segredos sutis das relações interpessoais.

Infelizmente, exauridos por tanto trabalho, nem sempre os professores se lembram de cultivar a própria estante. Ler para si. Ouvir as vozes de mestres de todos os tempos para alimentar a própria sabedoria. Quem é capaz de conversar consigo por meio da literatura pratica o ensinamento secreto que se dá pelo silêncio, pelo vazio que jamais será preenchido de modo que a busca por novas verdades permaneça constante.


* Heloisa Prieto é escritora de literatura infanto-juvenil


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